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“Ainda por cima é cotista”: o elitismo e o racismo do ambiente universitário se manifestam nos Jogos Jurídicos Estaduais (JJES) de São Paulo.

  • Gabriela Teodora
  • 20 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Ilustração: Juliana Britto


Sempre muito aguardado pelos estudantes de direito, os Jogos Jurídicos Estaduais (JJES) de São Paulo, realizados neste ano no interior do estado, em Americana, foram marcados por eventos lamentáveis de racismo e aporofobia. 


Durante o jogo de handebol masculino entre a Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), realizado no dia 16 de novembro, todos foram surpreendidos com xingamentos preconceituosos proferidos por estudantes da particular contra estudantes negros da pública. Insultos como "ainda por cima é cotista" e "cotista filho da puta" foram usados, além de gestos e coros que faziam referência à condição financeira dos estudantes. Os vídeos que registraram as ofensas viralizaram nas redes sociais e viraram pauta em todo o país, sendo reportados, inclusive, no programa Fantástico da TV Globo em uma matéria conduzida pela jornalista Maju Coutinho no dia 17 de novembro. 


Diante dos crimes ocorridos, a organização dos Jogos Jurídicos optou somente por proibir a participação da torcida da PUC-SP nas rodadas restantes da edição de 2024. Ante o evidente racismo dos estudantes da faculdade particular e da gravidade dos fatos, essa foi a medida considerada “firme" pela LAAJJE para “garantir que episódios como esse não se repitam”. Em nota divulgada nas redes sociais, o time de handebol da São Francisco ressaltou que os atos da torcida pucana são incompatíveis com os valores do esporte universitário, que deveria ser pautado “pela inclusão, pelo pertencimento e pela permanência estudantil". 


As Diretorias e os Centros Acadêmicos de ambas as faculdades também postaram notas de repúdio ao ocorrido, segundo as quais se comprometeram a apurar rigorosamente o caso e a responsabilizar os envolvidos de maneira justa e exemplar. Resta-nos esperar para ver.


Não é nenhuma novidade que as instituições de ensino jurídico ainda refletem uma sociedade retrógrada, preconceituosa e racista. Apesar dos discursos que exaltam valores democráticos e humanistas enunciados constantemente nas salas de aula, os estudantes se deparam diariamente com a violência explícita e implícita dentro do ambiente acadêmico, marcado pela omissão das Reitorias e pela ausência de medidas efetivas para combater o racismo e a aporofobia, bem como outros tipos de preconceito. Ações são substituídas por palavras e a justiça, ironicamente (ou não), passa longe das paredes das universidades de direito. 


Os coletivos Saravá e Da Ponte para Cá, formados por estudantes negros e bolsistas da PUC-SP, denunciaram em uma nota de repúdio a estrutura racista e elitista da faculdade, que fechou os olhos para diversas denúncias sobre casos de racismo e aporofobia feitas à Ouvidoria. “É importante frisar que ataques de ódio como este acontecem há muito tempo. Antes de ocorrerem durante os Jogos Jurídicos, esses ataques se iniciam nos corredores e salas da PUC-SP. Observamos uma intensificação dessas violências racistas e aporofóbicas, por parte do corpo docente quanto discente da universidade, que se beneficiam da elitização do espaço universitário promovida pela Fundação São Paulo (FUNDASP)”, diz a nota.


A deputada federal Sâmia Bonfim, a vereadora Luana Alves e a co-deputada Leticia Chagas, do PSOL-SP, protocolaram uma denúncia no Ministério Público de São Paulo pedindo a abertura de um inquérito para apurar o episódio. O processo, ainda, será representado por Diogo da Conceição, Matheus da Silva e Leonardo Mariz, três jovens advogados negros que foram bolsistas em universidades privadas. Juntos, eles denunciam a prática de racismo dos estudantes da PUC-SP, crime previsto na Lei nº 7.716/1989.


Após o ocorrido, os estudantes Tatiane Joseph Khoury, Arthur Martins Henry, Matheus Antiquera Leitzke e Marina Lessi de Moraes foram desligados de seus estágios nos escritórios Pinheiro Neto Advogados, Castro Barros Advogados, Tortoro, Madureira e Ragazzi Advogados, e Machado Meyer Advogados, respectivamente.


Além de exigir a punição exemplar dos envolvidos no episódio, também é necessário usar deste para refletir sobre a persistência do preconceito no ambiente acadêmico, fruto de uma falha tanto no ensino jurídico quanto na implementação de medidas de afirmação e de pertencimento dentro das faculdades, que estão formando profissionais que desprezam os princípios da igualdade, da justiça e dos direitos humanos. O episódio não é um caso isolado, mas um reflexo de uma sociedade e de uma educação superior que ainda carrega muitos resquícios do preconceito racial e do elitismo.


As elites, que sempre dominaram as universidades brasileiras, agora se deparam com uma mudança de perfil do estudante do ensino superior, o que muito se deve à conquista das cotas étnico-raciais e socioeconômicas - e isso parece incomodar bastante.


Sancionada em 2012, a Lei de Cotas determina a reserva de 50% das vagas de universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas. Com a adoção do sistema de cotas no Sisu e na Fuvest em 2017, a USP conseguiu quadruplicar o número de estudantes de graduação que se declaram pretos, pardos ou indígenas entre 2010 e 2019. No ano de 2023, a Turma 191 da São Francisco, a primeira de cotistas étnico-raciais da história da Faculdade, concluiu seus estudos, simbolizando uma importante vitória para a luta pela democratização do ensino superior. Assim, as cotas, usadas pela torcida da PUC-SP como forma de ridicularizar os estudantes de Direito da USP, são, para a nossa faculdade, motivo de orgulho e celebração.


E a PUC? Bem, agora não é mais segunda, mas última opção.


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