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A língua do povo é o silêncio?

  • André Almeida Périco
  • 25 de out. de 2024
  • 5 min de leitura

Entre a comunicação conservadora simples, que alcançou o eleitorado, e uma esquerda cada vez mais distante de suas origens, emerge um silencioso partido que acumula força para 2026.


Presidente do PSD, Gilberto Kassab.
Ilustração: Vinicius Demarzo

André Almeida Périco


"Cada eleição é única, assevera o Conselheiro Acácio de plantão, e as dinâmicas locais e nacional são distintas entre si; mas é certo que o controle de prefeituras e câmaras municipais pela direita, em todos os seus matizes, dos hidrófobos em ascensão aos fisiológicos de sempre, produzirá efeitos que se farão sentir nas eleições presidenciais de 2026, cada vez mais próximas". 


O parágrafo acima, emprestado do artigo escrito pelo ex-presidente do PSB Roberto Amaral para a Carta Capital, resume o que será analisado a seguir. Se, por um lado, o texto demonstra a profunda capacidade de análise política do autor, preciso nas percepções sobre o avanço da direita na última década, por outro, ele é, ironicamente, ilustração do outro lado da moeda, qual seja, o distanciamento da esquerda das massas populares, em especial pelas dificuldades de se comunicar com elas.


Ao analisarmos os resultados das eleições municipais de 2024, cabe, primeiramente, diferenciar o que Amaral chamou de "matizes" da direita. Hidrófobo, segundo o dicionário Michaelis, é aquele que se mostra totalmente enfurecido. Não é difícil buscar exemplos: a retórica raivosa contra a esquerda, catalisada pela Lava-Jato e incrementada pela disfuncionalidade emocional de coachs e capitães, resume este grupo. 


Ocorre que a unidade alcançada pelo ex-presidente no campo conservador, inquestionável desde 2018, encontrou seu fim nessa eleição. Ainda que outros nomes tenham ousado levantar-se contra o monopólio bolsonarista na direita, até então seu fim era certo: isolamento e adeus a quaisquer ambições políticas. A bolha foi rompida pela estratégia de Marçal e replicada em diversas outras cidades, como em Curitiba por Cristina Graeml, que alcançou o segundo turno: é a "direita raíz" opondo-se ao bolsonarismo institucionalizado. 


Em ambos os casos, o principal alvo foi um candidato apoiado, ao menos oficialmente, pelo grupo político de Bolsonaro. Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo, e Eduardo Pimentel (PSD), na capital paranaense, têm vices do PL, em arranjos entre o centro e a direita bolsonarista. O eleitor antipolítica torceu o nariz para essas alianças, comprando o discurso da dissidência e dividindo o voto da parcela mais conservadora do eleitorado.


Com demonstrações ambíguas de ambos os lados, uma vez que o voto em Marçal não é necessariamente antibolsonarista e que o próprio ex-presidente apoiou candidatos contrários ao seu partido, a análise da situação não é tão simples. Por outro lado, fato é que a ruptura já deixou marcas visíveis, como por exemplo as das críticas ferrenhas de um grande aliado de primeira hora, Silas Malafaia, às posições titubeantes de Bolsonaro. 


Ainda que a fissura não tenha demonstrado sua total extensão e profundidade, já demonstrou que até mesmo a parcela “hidrófoba” da direita não é mais coesa, o que também se refletirá nas novas dinâmicas até 2026. Como não há vácuo na política, as dissidências acabam por beneficiar outras forças. Levando a análise mais ao centro, chegamos aos “fisiológicos de sempre”, citados anteriormente por Amaral. 


Da mesma forma que percebemos diferentes grupos dentro da parcela mais à direita, chama-se atenção ao perigo de considerar o espectro dali até o centro como uma coisa só. Aliás, posturas soberbas como essa, a exemplo de rotular os grupos discordantes atribuindo-os termos genéricos e pejorativos, correlacionam-se com as derrotas eleitorais das esquerdas. Ainda que o fisiologismo seja fato inegável, até que ponto outros grupos não estão apenas sabendo ouvir melhor aquele que deposita o voto?


Assim como existem outras direitas além da raivosa, existem outros centros além do fisiológico. Ainda que se reconheça a influência dos recursos do fundo partidário, do fundo eleitoral, do orçamento secreto e das emendas impositivas, quando confrontamos o resultado de alguns partidos de esquerda, também beneficiados pelos referidos recursos, e consideramos inclusive que o atual presidente viu seu partido ficar apenas em nono no ranking de prefeituras, há de se reconhecer outros fatores influenciando o reposicionamento das forças políticas.


Dizer que o Partido Social Democrático, de Kassab, foi o grande vencedor das eleições exclusivamente pelas 878 prefeituras conquistadas (o primeiro do ranking) é um erro. Assim como é um erro considerar o seu crescimento como movimento sincrônico ao do grupo chamado de Centrão. Ainda que o partido, criado em 2011, tenha surgido sob a ideia de não ser nem de direita, nem de centro e nem de esquerda, seu presidente afirmou após o resultado do último dia 6: "O centro venceu; a polarização, não". 


De fato, o centro venceu. Em primeiro lugar, há uma tendência de menor ideologização nas eleições municipais, em especial nas menores cidades, nas quais o eleitor está mais preocupado com a resolução dos problemas cotidianos. Além disso, é o contato com o eleitor, o famoso "café e prosa", que conta mais do que soluções extremamente complexas. Mais uma lição possível para os candidatos progressistas.


Mas não é só isso. O PSD surge em pleno auge da popularidade tanto de Lula quanto de Dilma prometendo independência em relação ao governo da petista. Assim fez: permitiu que os quadros estaduais apoiassem partidos de oposição, como o PSDB de Serra, mas manteve apoio à presidenta mesmo nos seus piores momentos, como nos protestos de 2013 e na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. O resultado: Kassab foi visto como leal pela cúpula petista e foi indicado ao Ministério das Cidades.  


Silenciosamente, o partido continuou nos governos subsequentes. Kassab foi ministro de Temer, e o PSD esteve no governo Bolsonaro, ainda que tenha anteriormente apoiado a candidatura de Geraldo Alckmin, em nome de uma composição moderada. Foi voz ativa quando seus quadros foram grandes críticos da resposta de Bolsonaro à COVID e, após optar pela neutralidade e liberar os diretórios regionais nas eleições de 2022, ocupa hoje três ministérios no governo Lula. Não sem que tenha Tarcísio como uma de suas maiores apostas - sendo Kassab secretário do governador.


Enquanto a tendência natural do leitor ao ler a trajetória do partido talvez seja justamente enquadrá-lo como "mais do mesmo", relacionando sua participação em governos antagônicos como interesseira e viciosa, a ideia do artigo é justamente trazer a atenção para o outro lado dessa vitória. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi a reeleição de Eduardo Paes, do PSD, com 60% dos votos válidos, que barrou o candidato bolsonarista.


No seu discurso de vitória, Paes celebrou a frente ampla: “Aqui tem gente de direita, gente de esquerda, gente com visão mais progressista, com visão mais conservadora (...) essa eleição é sobre aquilo que a gente deseja para o Brasil. Chegou a hora de parar com essa polarização, essa dualidade, essa briga de um contra o outro, como se fôssemos inimigos. Não somos”.


Se o fisiologismo existe dentro do PSD, cabe a discussão. Fato é que, silenciosamente, o partido venceu tanto a hidrofobia da direita quanto a vacilação da esquerda, aprendendo a encontrar o eleitor à sua maneira. Perde a polarização e vence o espaço para diálogo, o que é bom, inclusive pensando em 2026. 


Não obstante, os progressistas precisam reencontrar sua forma de conexão com os trabalhadores informais, pequenos empreendedores, evangélicos, jovens e com todos os demais segmentos sociais com os quais perdeu contato. Enfim, com a realidade. 


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.


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