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Os abusos israelenses em Gaza estão longe do fim

  • Matheus Marcelo Viola Costa
  • 26 de ago. de 2024
  • 5 min de leitura

Ataques desumanos e ampliação do conflito levam a crer que a violência racista de Israel contra os palestinos continuará por um longo período.


Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, diz: "os terroristas agora se disfarçam de crianças e frequentam a escola!"
Ilustração: Vinicius Demarzo

Matheus Marcelo Viola Costa


No dia 10 deste mês, o exército israelense executou um ataque aéreo contra alvos em Gaza e atingiu a escola Al–Tabi’Een, que servia como edifício de acolhimento para deslocados da guerra. O ato levou 93 pessoas à morte, dentre elas onze crianças e seis mulheres, segundo a Defesa Civil de Gaza. O Estado de Israel justifica a operação afirmando que o local era utilizado como centro de comando e controle do Hamas, porém a organização palestina nega a informação.


O ataque à escola Al-Tabi’Een e o contexto internacional


 Além de abrigar a escola Al-Tabi’Een em seu segundo andar, a construção também continha uma mesquita em seu primeiro andar. O templo religioso estava sendo utilizado como abrigo para cerca de seis mil pessoas desalojadas por conta do conflito e foi atacado durante o período de orações.


Habitantes locais relatam uma cena chocante. Moradores das redondezas, médicos e o porta-voz da Defesa Civil de Gaza, Mahmud Basal, informaram que havia cadáveres cobertos de sangue, corpos  dilacerados e queimados e restos mortais humanos empilhados, além dos escombros e do cenário de destruição


O evento citado não é um caso isolado. O ataque contra Al-Tabi’Een se soma a outros dois realizados contra instituições de ensino pelo Estado de Israel neste mês. Duas escolas, Abdelfattah Hamouda e Al-Zahra, foram bombardeadas no dia 8 de agosto, matando pelo menos 12 pessoas, segundo a Defesa Civil Palestina. A justificativa do exército israelense é semelhante à do ataque mais recente.


O bombardeio ocorreu em um momento delicado do conflito entre Israel e Palestina. Intensificaram-se as tensões na região após a morte do dirigente do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, e do membro do Hezbollah, Fuad Shukr, ambas atribuídas a Israel. Lideranças iranianas e libanesas subiram o tom contra o país, havendo uma ameaça de retaliação por parte do Irã.


Em Doha, representantes dos Estados Unidos, Qatar e Egito tentam mediar o confronto entre e propor um cessar-fogo. No entanto, no último dia 16, as negociações foram interrompidas, diante de acontecimentos recentes como os ataques a escolas palestinas e as mortes de Haniyeh e Shukr. Os trabalhos foram retomados no dia 19, mas o conflito continua a escalonar e uma solução pacífica parece cada vez mais distante, a comunidade internacional teme que o conflito Israel-Hamas passe a envolver também o Líbano e a nação persa.


As potências ocidentais da América do Norte e da Europa provavelmente não têm interesse em um escalonamento do confronto ou em uma eventual expansão para outras nações, afinal isso teria grandes impactos socioeconômicos. Um ocasional envolvimento de outros países na guerra levaria a um aumento do preço do petróleo e dificultaria o tráfego comercial na região do Mar Vermelho.


Todavia, os Estados Unidos escolheram um lado caso isso venha a ocorrer e já enviaram  um submarino com mísseis e um porta-aviões com caças F-35 para compor a defesa de Israel, visando à preservação de seu histórico aliado no Oriente Médio.


A ofensiva do exército israelense iniciada em 2023 já deixou aproximadamente 39.699 mortos na Faixa de Gaza até o dia 8 de Agosto, de acordo com o Ministério da Saúde da região, e o conflito parece estar longe de acabar.


A questão palestina e o direito internacional


Os abusos cometidos pelo Estado de Israel contra o povo palestino não começaram em 2023. Até mesmo antes da fundação de Israel em 14 de Maio de 1948, como sustenta a autora Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira e mestre em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo, há registros de repressões e perseguições políticas, assassinatos, destruição de vilas, discriminação e ataques contra a população palestina, realizados por gangues sionistas e, por vezes, financiados por potências imperialistas como a Grã-Breatanha. A partir de 1948, essas agressões contra os árabes da região se intensificaram.


 A autora define os atos que ocorreram contra os palestinos desde então como limpeza étnica. Por vezes, exércitos sionistas planejaram e realizaram ações militares contra vilas e territórios palestinos e seus civis, desrespeitando a resolução 181 da Organização das Nações Unidas e avançando sobre territórios reservados à Palestina, levando sua população a um deslocamento forçado para países vizinhos. Havia nesses atos, além da intenção de tomar todo o território palestino, uma motivação racista.


O chamado orientalismo permeava o pensamento sionista já no século XIX. O termo utilizado por Misleh é definido por Edward Said como um estilo de pensamento que contrapõe o “Oriente” e o “Ocidente” enquanto entidades histórico-culturais, no qual os “ocidentais” são vistos como superiores e civilizados e os “orientais” como um povo atrasado, bárbaro e indignos de um autogoverno.


 Teses baseadas em teorias orientalistas foram utilizadas para construir um senso de nação e justificar a colonização da Palestina, bem como a expulsão da população árabe local. Tal visão ainda existe na sociedade israelense e é utilizada para legitimar práticas ilícitas de Israel contra o povo palestino.


Sob a ótica do Direito Internacional, as ações do Exército de Israel são reprováveis. Ataques a bens civis (lugares de culto, hospitais e escolas), deslocamento forçado de massas, tratamento desumano, punições coletivas, terrorismo psicológico, genocídio, entre outras ações, são condenadas no Estatuto de Roma e nas Convenções de Genebra - e seus Protocolos Adicionais são recorrentemente alegados quando se trata da atuação do Estado de Israel no contexto palestino.


Segundo a professora de direito internacional da UFRGS Tatiana Cardoso Squeff, um país em guerra deve seguir as declarações e convenções referentes a crimes de guerra, mesmo que a outra parte não o faça (artigo 2° da IV Convenção de Genebra), em respeito aos princípios de direito internacional, como o princípio da humanidade. 


Ainda de acordo com a professora, edificações civis não podem ser, em regra, alvo de ações militares, e havendo incerteza sobre a utilização desse bens para fins militares, deve-se presumir que não estão sendo usados com objetivos estranhos ao seu propósito civil (art. 52 do protocolo Adicional I das Convenções de Genebra).


Squeff afirma também que o Direito Internacional Humanitário cria exceções a essas regras, sendo exigida, no entanto, a análise da distinção (diferenciação de alvos civis e militares), da necessidade militar (obtenção de vantagem definitiva no contexto do combate) e da proporcionalidade para caracterizar essa excepcionalidade. Assim, é sempre necessário ponderar os possíveis excessos, “danos colaterais” e prejuízos que a ação pode trazer.


 Porém, diante de um Estado colonial e racista como o de Israel, a vida de 93 palestinos, incluindo crianças e mulheres - como no caso da escola Al–Tabi’Een - vale muito pouco. Diante disso, urge a mobilização internacional para lidar com essa violência. As ações de Israel contra os palestinos - desalinhadas das convenções, leis e resoluções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) - atravessaram o século XX e continuam na atualidade, com apoio do imperialismo estadunidense e inércia da ONU e outros órgãos internacionais. 


Sem uma atitude incisiva por parte da humanidade, corre-se o risco de que o extermínio total do povo palestino por Israel venha a compor mais um triste capítulo na sangrenta história da espécie humana.


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.

 

 

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