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Boulos e uma bolha furada a cada 12 anos

  • André Almeida Périco
  • 4 de set. de 2024
  • 5 min de leitura

As forças e fraquezas da campanha que busca repetir Erundina, Marta e Haddad.


Rosto do candidato Guilherme Boulos refletido em uma bolha.
Ilustração: Vinicius Demarzo

André Almeida Périco


As eleições municipais de 1988, realizadas antes da promulgação da nova Constituição,  foram as últimas em que não houve dois turnos. Na ocasião, venceu em São Paulo a candidata à esquerda, Luiza Erundina (PT), com 36,78% dos votos válidos. A recém-fundada legenda do PSDB, à época representante da social-democracia, foi escolhida por pouco expressivos 6% do eleitorado paulistano. 


A baixa expressividade também reflete um fato curioso: somados, os candidatos da direita, Paulo Maluf (PDS), João Leiva (PMDB) e João Mello Neto (PL), alcançariam significativos 53%. Na hipótese de ter havido união ao menos entre os dois primeiros, seria considerável a chance da prefeitura ter se mantido com a direita após o mandato de Jânio Quadros. Caso já houvesse segundo turno, portanto, dificilmente a balança tenderia à esquerda.


O pensamento, claro, pressupõe que os votos de um candidato ausente migram para aqueles com maior proximidade ideológica. Não é uma verdade absoluta, mas algo que se verifica com frequência. Desde então, já com a previsão de segundo turno, a capital paulista vivenciou oito eleições. 


À exceção de 2016, vencida com folga em primeiro turno pelo outsider João Dória nas ondas da operação Lava Jato, sete delas verificaram uma segunda volta, disputada por um representante da esquerda e outro da direita - considerando a migração gradual do PSDB para o vácuo eventualmente surgido dentro dos setores mais conservadores. 


Apenas em duas oportunidades a eleição foi novamente vencida pela esquerda. A primeira delas, em 2000 - 12 anos após a vitória de Erundina -, vencida por Marta Suplicy (PT). A atual candidata a vice na chapa de Boulos aproveitou um momento de fortalecimento nacional do Partido dos Trabalhadores - dois anos antes da primeira eleição de Lula à presidência - e de intenso desgaste de seu opositor, Paulo Maluf.


A outra vitória do campo progressista no segundo turno ocorreu 12 anos depois, quando Fernando Haddad protagonizou a primeira e única virada entre os turnos, enfrentando José Serra, candidato que lidava com as constantes (e verdadeiras) acusações de que não cumpria seus mandatos para poder disputar eleições estaduais ou federais. 


Em todas as outras seis eleições, a conjuntura foi semelhante no segundo turno. O candidato à esquerda atinge um teto - algo próximo dos 40% dos votos válidos -, e os votos diluídos do centro à direita se concentram em um candidato, que muitas vezes dá um salto na votação em relação ao primeiro turno. Chegamos então à questão central deste artigo: o que Guilherme Boulos precisa fazer para romper essa bolha pela terceira vez?


Em primeiro lugar, é importante analisar os bons sinais para a sua candidatura. Nas eleições presidenciais de 2022, na capital paulista, Lula venceu Bolsonaro com 53,54% dos votos válidos. Além disso, ainda que tenha perdido a eleição estadual, Haddad repetiu seu desempenho de 2012 no município, vencendo Tarcísio por 54,41% a 45,59%. Assim, para um otimista, considerando as constantes movimentações da política, não seria leviano afirmar que os ventos atuais trazem os eleitores mais à esquerda. 


Mas, é claro, ainda que Lula já tenha sido Haddad e Haddad já tenha sido Lula, a verdade é que cada um é um, e Boulos não é nenhum deles. Mesmo que levantem as similaridades de Boulos com um Lula pré-presidência e que o deputado se apresente em uma versão cada vez menos radical, a população paulistana ainda apresenta considerável rejeição em relação à sua figura - de 37%, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada na última sexta (23) , contra 23% de intenções de voto.


Além disso, seus principais adversários juntos somam atualmente 40% do eleitorado: o situacionista Ricardo Nunes, que flutua entre centrista e bolsonarista por ocasião, e o coach Pablo Marçal, que fez o que desde 2018 era impensável - quebrar a hegemonia no campo da direita, roubando o eleitorado de um candidato apoiado pela família Bolsonaro sem ver sua carreira política ser prematuramente destruída.


Do contrário: Marçal representa aquilo que Bolsonaro representava em 2018 ao ser o candidato anti-establishment, o que causa uma ruptura natural na direita, confusa entre o candidato político apoiado pelo capitão e o corajoso candidato antissistema que fala "a verdade". Fato é que, independentemente dos resultados desta eleição, a direita bolsonarista sai enfraquecida desse embate, e possivelmente precisará do apoio de Marçal e seus eleitores no futuro.


Desta ruptura podem sair bons frutos para o deputado federal. Ainda que historicamente o paulistano tenha optado pela opção mais à direita, também é verdade que a rejeição a Bolsonaro em São Paulo justifica em parte a vitória de Lula em 2022. A rejeição a um candidato apoiado pelo ex-presidente atinge impressionantes 63% na capital, mas a contradição mora por aqui. Ainda que Nunes seja o candidato oficialmente apoiado, a rejeição parece escorregar para o candidato mais parecido nas atitudes: o prefeito é rejeitado por 25% do eleitorado, enquanto 34% dizem não votar de forma alguma em Marçal.


Ainda que pudesse haver surpresas em um segundo turno entre Boulos e Nunes, a tendência seria a vitória do atual prefeito, mantendo a tradição paulistana, com uma margem similar ou ligeiramente mais estreita do que a de Bruno Covas em 2020. Contra o coach, todavia, a probabilidade de uma vitória da esquerda seria maior, e a postura extremista de Marçal possibilita a Boulos reeditar uma Frente Ampla como Lula fez há dois anos, convidando figuras mais centristas para compor uma aliança circunstancial. 


Na última segunda (26), Boulos afirmou no Roda Viva que reconhece a fraude eleitoral na Venezuela. Posicionamentos como este podem auxiliar na eventual necessidade de constituir aliança com o centro. Por outro lado, ter o Hino Nacional cantado em linguagem neutra durante um evento de campanha abastece gratuitamente o arsenal de ataques da direita, seja a de Bolsonaro, Nunes ou Marçal, distanciando um eventual eleitor em dúvida. 


A migração de votos de Datena (10%) e Tabata Amaral (8%) também funcionará como fiel da balança. Boa parte dos eleitores de Tabata naturalmente votariam em Boulos em um eventual segundo turno, enquanto entre os eleitores de Datena a vantagem é ligeiramente maior para Nunes. No caso de um segundo turno entre Boulos e Marçal, devem ficar com o deputado tanto os candidatos quanto uma fatia considerável dos votos. 


Não será fácil, mas o triunfo do campo progressista é possível. Também não será, certamente, uma eleição entediante. Já para a numerologia, é certamente ano de esquerda. 


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.

 

 



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