Gotta catch ‘em all!: Pokémon, Logan Paul e Tigrinho
- Lucas Martins
- 19 de fev.
- 10 min de leitura

O ano é 2025. Pokémon está passando pelo seu maior hype desde o lançamento de Pokémon GO, 9 anos atrás, e isso está diretamente ligado a NFTs, traders e a cultura de jogos de azar online.
Na realidade não é como se a franquia tenha sido exatamente esquecida em algum momento depois de seus primeiros jogos (Pokémon Red & Green), lá em 1996, já que a sua enorme popularidade durante os anos 2000 lhe garantiu uma fama gigantesca no mundo todo. No entanto, mesmo franquias populares que tiveram produtos em diferentes tipos de mídia, eventualmente atingem um ponto no qual não conseguem mais se renovar para atingirem as novas gerações, resultando no declínio da sua popularidade.
Com Pokémon, a princípio, a situação não seria diferente. Era esperado que na década seguinte ainda seriam lançados ótimos jogos e sequências para o anime, mas que, com o tempo, o declínio viria. Foi esse o destino de diversas franquias famosas da virada do século, como Naruto, após o término de Naruto Shippuden, e Dragon Ball, com suas sagas mais tardias, ambas ainda são super famosas, mas não conseguem efetivamente renovar sua base de fãs. Contudo, não foi esse o destino de Pokémon e muito disso se deve à apurada visão de mercado da Pokémon Company, a empresa fundada em 1998 pela Nintendo, Game Freak Co. (empresa dos criadores de Pokémon) e pela Creatures Inc. (responsável pelo jogo de cartas de Pokémon), para a gestão de todos os produtos sob a marca registrada “Pokémon”.
Durante a década que sucedeu seu nascimento, a Pokémon Company se esforçou para acompanhar as tendências e as novas tecnologias que surgiam: implementaram as o uso do acessório wireless do Gameboy para trocas de Pokémons; fizeram lançamentos para GameBoy Color e Nintendo DS; expandiram as mecânicas de jogo, etc. A franquia teve um sucesso arrebatador, sedimentando seu lugar de destaque na cultura pop e se aproveitando disso para expandir ao máximo a variedade de seus produtos.
Um desses, no entanto, merece destaque especial: o jogo de cartas Pokémon (chamado mundialmente de Pokémon TCG, em referência ao nome em inglês Pokémon Trading Card Game). Lançado ainda em 1996, após o sucesso arrebatador da primeira geração de Pokémons, o jogo tem a mesma lógica de outros jogos de carta que se popularizaram no fim do século passado. Sua lógica se baseia em combates por turno, com um Pokémon ativo e outros no banco e, para movimentá-los ou atacar seu oponente, é necessário “ligar” cartas de energia a eles (também chamada de “mana” em outros jogos).

Rapidamente, o TCG se tornou uma linha muito lucrativa para a Pokémon Company, atraindo jogadores de outros RPGs de cartas, crianças e adolescentes que jogavam os videogames e/ou assistiam ao anime de Pokémon e os entusiastas de itens colecionáveis. Para aproveitar ao máximo esse sucesso, então, a Creatures Inc. tratou de fomentar cada vez mais a cultura do Pokémon TCG: lançou novas coleções de cartas conforme novas gerações de pokémon surgiam, criou competições regionais e internacionais de TCG e até mesmo produziu cartas e outros itens exclusivos para aqueles que atendiam à esses eventos.
Naturalmente, como em outros jogos de cartas colecionáveis, a cada coleção de Pokémon TCG lançada, os valores de cartas mais raras subiam no mercado de revendedores. Não por acaso, além das famosas cartas holográficas (ou brilhantes), começaram a ser lançadas cartas cada vez mais difíceis de encontrar: cartas totalmente ilustradas, cartas secretas, EX, GX, Legend, Mega, V, Vmax.

Apesar disso, o início dos anos 2010 não foi a época mais fácil para a franquia e, mesmo com os jogos da série Black & White apresentando ótimos números, parecia que a popularidade de Pokémon estava estagnando. Era necessário se atualizar para um mundo muito mais informatizado, fora da televisão e dos consoles, e o que inaugurou essa era da Pokémon Co. foi o lançamento de Pokémon TCG Online (atualmente chamado Pokémon TCG Live) em 2011. Contudo, a plataforma que trazia as batalhas do TCG para o mundo online não ganhou tração, sendo majoritariamente utilizado por aqueles que já estavam inseridos no hobby.
A empresa então tomou outra abordagem e em 2016 lançou o Pokémon Go, que foi um sucesso imediato. Se aproveitando da evolução dos celulares e utilizando da realidade aumentada para trazer os pokémons para o ambiente dos jogadores, o jogo foi uma febre e impulsionou as vendas de todos os outros produtos da franquia. Porém, assim como veio, a febre de Pokémon Go se foi, e em meados de 2017 sua popularidade era apenas uma pequena fração do que foi no ano anterior. Nos anos que se seguiram não houveram muitas novidades. A Pokémon Company continuou investindo na continuidade dos produtos consagrados da franquia, só que agora também trabalhando em melhorias em Pokémon Go. Até que chegou a pandemia do Covid-19.
Durante o período de confinamento que se deu nos anos de 2020 e 2021, se popularizou na internet a cultura dos traders, das criptomoedas e das NFTs, sendo vendida para o público geral (principalmente o estadunidense) como uma forma quase garantida de enriquecer sem precisar sair de casa ou ter alguma formação específica. Para a surpresa muitos (ou não) a ideia colou: o tema estava em todo lugar da internet, chegando a figurar em programas de televisão que buscavam traduzir a nova tendência para um público mais amplo.
Essa cultura acabou por formar um nicho próprio de produtores de conteúdo na internet, comumente chamados de criptobros. Parte dessa bolha, contudo, expandiu seu “portfólio” para investimentos em itens de colecionador que vendiam por valores altos no mercado de revenda. Não por acaso, o produto escolhido pela maioria desses investidores foram as cartas de Pokémon TCG.
Sendo um produto já muito conhecido e com um mercado relativamente grande — devido aos colecionadores e jogadores fiéis que angariou durante mais de duas décadas —, investidores e influencers perceberam que era um nicho muito rentável, tanto para revenda quanto para a produção de conteúdo. Além disso, com essa nova movimentação, diversas pessoas de fora da bolha de Pokémon TCG voltaram seus olhos para o hobby de colecionador, muitas vezes motivadas por um sentimento nostálgico de revisitar uma franquia muito amada durante a infância.
Grande expoente desse momento foi a incursão que Logan Paul, um dos maiores YouTubers e influencers estadunidenses, que entrou no mundo de colecionadores de cards e começou a postar vídeos nos quais gastava quantias absurdas em cartas raras de pokémon TCG ou em pacotes lacrados, em busca de cartas extremamente raras.
Todo esse ecossistema online formado durante a pandemia fez com que o mercado de Pokémon TCG tivesse um “boom”: o preço de algumas cartas mais antigas e raras ultrapassava a marca de um milhão de dólares e o preço dos boosters antigos e atuais só crescia. A Pokémon Company, frente a essa situação tão inédita quanto inesperada, agiu para fornecer mais cartas, visando atender a demanda estratosférica que surgiu, porém o que fez acabou estourando a bolha criada pelos investidores e revendedores de cartas.
A empresa decidiu que além de lançar novos sets, iria reimprimir sets que fizeram muito sucesso para que assim mais colecionadores pudessem ter acesso às cartas que procuravam. Assim, esse mercado que estava operando com preços altíssimos com base na escassez dessas cartas começou a despencar. Da metade para o fim de 2022, grande parte dos investidores deixaram o negócio. Um membro do fórum do reddit r/PokémonTCG, chegou a elaborar o seguinte gráfico para confortar outros colecionadores em relação ao futuro deste mercado:

Embora seja um gráfico extremamente amador e com vários erros, serve para representar a esperança que muitos colecionadores antigos tinham de que o mercado de cartas estaria voltando ao normal. Porém, esse não foi o rumo que as coisas tomaram. Após esse episódio, os preços, de fato começaram a normalizar, mas o ambiente não era mais o mesmo: muitos novos colecionadores permaneceram após a “quebra” do mercado no pós-pandemia e a Pokémon Company percebeu o potencial que o Pokémon TCG ainda tinha para expandir. Em 2024, esse cenário mudaria.
Porém, antes de falar do ano passado, é necessário comentar uma outra questão paralela: a cultura de jogos de azar. Durante e após a pandemia do Covid-19, o mundo assistiu a ascensão dos jogos de azar, só que dessa vez repaginados para o ambiente online. Diversas casas de apostas e cassinos online começaram a aparecer na mídia, patrocinando times de futebol, fazendo propaganda em horário nobre na televisão e patrocinando influencers para divulgarem suas plataformas.
As apostas esportivas e “o tigrinho” foram, então, entrando na cultura popular e no consciente coletivo do ocidente, popularizando o vício em apostas, que agora também está atrelado ao vício mais comum da atualidade: as telas. O combo não poderia ser mais catastrófico. A título de referência do estrago das apostas online, o Banco Central aponta que em 2024 os brasileiros gastaram cerca de 20 bilhões de reais por mês com esses jogos de azar.
Nesse contexto, a popularidade das cartas de Pokémon TCG começou lentamente a crescer, mas de uma maneira um pouco diferente do que em 2021: dessa vez não sendo influenciado apenas pela ideia de que as cartas seriam um investimento, mas também que cada pacote lacrado seria como uma aposta a ser feita. Assim, no início de 2024, com o lançamento de uma nova linha de sets de cartas (a Escarlate & Violeta) surgiram perfis no TikTok e no Instagram que, explorando essa lógica, postavam vídeos de abertura de pacotes nos quais as pessoas gravam apenas suas mãos abrindo pacotes de Pokémon TCG enquanto o preço de revenda das cartas é mostrado na parte superior da tela. O objetivo final é achar as cartas mais caras da coleção em questão: as chase cards, iguais ao jackpot nos caça-níqueis.
O cenário não poderia ser melhor para a Pokémon Company. A empresa, provavelmente visando repetir o fenômeno de 2021 para trazer antigos fãs da franquia de volta ao Pokémon TCG, tinha acabado de lançar um set especial de cartas chamado Pokémon Escarlate e Violeta: 151. Essa nova coleção trazia 210 cartas contendo apenas os 151 pokémons originais do primeiro jogo da franquia, sendo estes também os mais conhecidos, não apenas por fãs de pokémon, mas também principalmente por pessoas que tiveram um contato pequeno com esses “bichinhos” na infância.
Os perfis dedicados à Pokémon, então, tiveram uma enorme alta, principalmente explorando a abertura de pacotes da coleção 151, que apelava mais ao grande público por apresentar uma série de pokémons que lhes eram mais familiares. O mercado de cartas, como era de se esperar, não demorou muito para explodir novamente. Muitas pessoas que consumiam esse tipo de conteúdo começaram também a comprar pacotes para abrirem por conta própria e, quem sabe, achar uma das cartas que valem milhares de dólares. Alguns aspectos dessa alta, no entanto, eram muito diferentes daquela de 2021 e mudaram o rumo dessa história.

Primeiramente, ao contrário do que aconteceu durante a pandemia, as cartas mais procuradas pelos novos colecionadores não são cartas antigas já abertas ou boosters antigos lacrados, mas sim cartas muito raras das coleções mais novas. Além disso, a Pokémon Company não reimprimiu os sets, igual fez em 2021, de forma que embora ainda haja uma produção nova dessas cartas, ela não é significativa o suficiente para derrubar os preços e o hype da coleção. Mas o que realmente selou o sucesso do Pokémon TCG em 2024 aconteceu só no fim do ano.
Em 30 de outubro de 2024, a Pokémon Company lançou o que viria a ser seu jogo de celular mais bem sucedido na história, o Pokémon TCG Pocket. Como o nome já indica, o jogo se trata de uma do TCG tradicional para celular, mas não é a mesma coisa do Pokémon TCG Live, mencionado anteriormente. Diferente deste, a versão lançada em 2024 não usa as exatas mesmas regras de combate, focando em ter um jogo mais dinâmico: as 60 cartas do baralho de TCG tradicional foram reduzidas para apenas 20 e diversas classes de cartas e efeitos que podem ser aplicados no combate estão ausentes da nova versão.
Tais diferenças, porém, não são apenas para tornar o jogo mais amigável para novos jogadores, mas também estão presentes porque a batalha pokémon do TCG Pocket não é o único (e talvez nem mesmo o principal) foco do aplicativo. Essa versão do TCG foi completamente construída ao redor da lógica dos colecionadores e dos “apostadores” de Pokémon TCG, e não daqueles que buscam um RPG de cartas competitivo.
Mesclando aspectos de outros jogos free to play que possuem transações dentro do jogo para a compra de itens cosméticos (itens que não dão vantagens ao jogador, mas apenas oferecem uma customização de itens ou personagens) e a cultura de apostas da internet, foi criado o jogo mobile de Pokémon perfeito para angariar e manter novos fãs engajados com a cultura da franquia. Embora o jogo seja grátis para jogar e ofereça pacotes diários de cartas para o jogador — nos quais podem ser encontradas cartas de diferentes raridades — ele incentiva que o jogador complete as coleções de cartas e estabelece objetivos de coleção e prêmios dentro do jogo para quando estes são atingidos.
Assim, por ser grátis para jogar, o TCG Pocket atraiu uma gigantesca quantidade de jogadores rapidamente, ao mesmo tempo que os-viciou com as “apostas grátis” oferecidas com os pacotes diários. Isso levou o jogo a lucrar mais do que qualquer outro jogo mobile da franquia, pois diversos jogadores começaram a gastar enormes quantias de dinheiro com a compra de itens que não são possíveis de obter de graça e, principalmente, com mais pacotes para serem abertos (além dos diários) em busca das cartas mais raras do jogo.
Muitos dos curiosos que entraram pela primeira vez no mundo de Pokémon TCG graças ao novo aplicativo, porém, estão sendo “fidelizados” e iniciando também no hobby de coleção de cartas no mundo real. Esse fenômeno ocasionou a segunda alta explosiva nos preços das cartas de Pokémon no mesmo ano, chegando a níveis ainda mais altos do que estava ao final da pandemia do Covid-19 e estendendo-se até os dias atuais. Mesmo após a virada do ano, as lojas de cartas estão vendendo pacotes da coleção 151 a mais de R$ 99,00 cada (sendo que cada um contém apenas 6 cartas) e outros sets recentes estão completamente esgotados em todos os lugares, principalmente o chamado “Evoluções Prismáticas”.
Colecionadores antigos e investidores procuram agora saber quando que esse novo “boom” das cartas de Pokémon irá acabar e na internet é possível encontrar incontáveis vídeos de “especialistas” anunciando o início da quebra do mercado nos últimos 4 meses. No entanto, ao que tudo indica, a normalização deste mercado não aparenta estar próxima e isso se dá ao fato que a Pokémon Company parece ter entendido como lidar com o cenário atual.
Tendo anunciado o lançamento de uma nova coleção de cartas focada na Equipe Rocket, os mais famosos antagonistas das séries de Pokémon, a Pokémon Co. parece ter entendido que uma grande chave para a expansão do TCG é justamente o apelo à nostalgia e aos pokémons aclamados pelo público.

Isso, somado ao planejamento de aprimoramento do Pokémon TCG Pocket e o lançamento de novas coleções e eventos virtuais para o aplicativo, são indícios de que a Pokémon Company trabalhará este produto de forma diferente do que fazia antes de 2021 e isso perpassa um projeto de expansão da base de fãs que realmente acompanham, colecionam e jogam Pokémon TCG. Os frutos dessa nova abordagem já são muito perceptíveis, vez que, ao contrário do ocorrido no pós pandemia, lojas especializadas nesse tipo de produtos se encontram sempre cheias aos finais de semana e não apenas de compradores, mas de pessoas de várias idades que “batem ponto” lá para jogar com outras pessoas.
Para a infelicidade de muitos dos “OG’s” do hobby que se mostram ávidos pela diminuição de pessoas interessadas em Pokémon TCG, os preços seguem subindo, lojas especializadas e os próprios campeonatos de TCG seguem ganhando mais atenção e, ao que tudo indica, Pokémon ainda vai estar no “hype” por um bom tempo antes de uma “quebra”
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