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O cabo de guerra entre inflação e crescimento

  • Eduardo Moreira Franco
  • 23 de ago. de 2024
  • 5 min de leitura

Como o embate entre o Planalto e o Banco Central pelo corte dos juros vem influenciando a queda na inflação e a troca de presidente da instituição


Presidente Lula furioso com o aumento da taxa de juros
Ilustração: Vinicius Demarzo

Eduardo Moreira Franco


Discutir economia em governos petistas nunca é uma tarefa fácil para os governistas e para o mercado. O debate fica ainda mais acirrado quando o próprio governo se vê pressionado de ambos os lados. No terceiro mandato de Lula, a discussão tem sido centrada na figura do Banco Central, que é visto no Planalto como inimigo do crescimento econômico e já chegou a ter sua autonomia ameaçada. 


Para entender a reclamação do atual governo, devemos voltar para 2021, quando a Lei Complementar 179 foi aprovada, redesenhando a dinâmica entre a o Presidente da República e o BCB. Antes dela, o Banco Central era sujeito ao Ministério da Fazenda, que indicava e controlava os mandatos do presidente e dos diretores da instituição. Assim, no final do dia, quem mandava na Selic era o Planalto.


Hoje, o Banco Central é autônomo, tendo os mandatos de seus dirigentes fixos, mesmo que ainda indicados pelo Presidente. O objetivo do projeto foi de retirar a interferência política e ideológica do debate sobre política monetária e permitir que sua condução se tornasse mais técnica.


Internacionalmente, os motivos para a autonomia dos Bancos Centrais são claros: se a instituição é imune a projetos políticos, a gestão da política monetária é mais assertiva e confiável, o que é fundamental para o controle da inflação. Afinal, se os consumidores acreditam que os preços vão aumentar no futuro, eles vão consumir mais no presente, causando inflação. Por outro lado, se houver confiança de que o Banco Central vai ser efetivo no controle dos preços, o consumo será mais controlado, gerando menos inflação.


A credibilidade do BCB, portanto, é fundamental para seu bom desempenho e isso é garantido pela sua autonomia, defendida principalmente por Roberto Campos Neto, atual presidente da instituição. 


O mal estar entre o Planalto e o Banco Central é, em grande parte, justificado pela frustração do governo de ter perdido influência sobre a política monetária. Essa insatisfação, por sua vez, é vocalizada pelos petistas por meio de reclamações sobre o alto patamar dos juros atuais que, para eles, prejudica o crescimento econômico. Nas  semanas em que os conflitos estão mais aquecidos, o partido já ameaçou a própria autonomia do BCB. 


Gleisi Hoffmann, Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores, frequentemente ataca Campos Neto e suas decisões nas redes sociais. No dia primeiro de agosto, Hoffmann publicou a seguinte frase em seu perfil no X: “O bolsonarista Campos Neto caminha para encerrar seu desastroso período no BCB impondo ao Brasil a maior taxa de juros do planeta (...)”. A dirigente do PT também tratou com ironia a autonomia da instituição.



No outro lado da mesa, o Banco Central luta para garantir uma condução técnica da política monetária ao mesmo tempo em que trabalha pelo controle dos preços. Hoje em 10,5%, a taxa Selic não se mostra suficientemente restritiva para conter um repique na inflação, como argumenta o BCB ao mantê-la nesse patamar nos últimos meses.


Mesmo com o IPCA próximo à meta, o Banco Central se preocupa com um mercado de trabalho interno aquecido - e que pode ser inflacionário - e com um cenário externo que traz desafios para o controle dos preços. Além disso, o BCB teme a trajetória fiscal no país, que também impõe problemas para a inflação. 


Quando se fala dos cenários fiscal e internacional, o BCB tem um aliado: o mercado. Historicamente, governos petistas têm o hábito de gastar mais do que arrecadam, algo que endivida o país e torna as futuras gerações reféns do pagamento dos juros dessas mesmas dívidas. Mesmo que as consequências de tais gastos só venham a impactar o país no futuro, os mercados penalizam o governo no presente de duas principais formas.

 

A primeira delas é por meio da negociação das taxas de juros futuras. Quando um país piora sua situação fiscal, o risco em se investir em seus títulos públicos é maior. Sendo assim, os mercados exigem taxas maiores para arcar com o aumento das incertezas. Para o Tesouro, isso significa mais juros no futuro, intensificando a tragédia fiscal. 


A segunda é por meio do câmbio. Um dos principais fatores que impactam a atratividade do Real é a confiabilidade e estabilidade no Brasil. Se os agentes econômicos têm uma perspectiva positiva do país, eles tendem a comprar nossa moeda, o que a valoriza. Caso contrário, o Real perde valor. 


A falta de compromisso que o governo mostrou ao longo de julho com o cenário fiscal fez com que o Real perdesse valor contra o dólar de forma repentina. No início do mês, a cotação do dólar fechou em 5,67, maior patamar em mais de dois anos. No Planalto, uma luz vermelha acendeu. Uma desvalorização tão significativa do Real não só impacta negativamente a atividade econômica brasileira, como também impõe riscos alarmantes sobre a inflação. Portanto, ao negligenciar as contas públicas, o governo está dando um tiro no próprio pé. 


Para evitar maiores instabilidades, o presidente Lula vem evitando comentários sobre a economia. A atual retórica do governo é de tranquilizar os mercados. Com isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não só ganhou mais espaço no governo, como parece ter mais autonomia para cuidar dos assuntos econômicos, como revela a proposta de um plano ambicioso de revisão de programas sociais, visando cortar mais de 10 bilhões de despesas que são mal direcionadas. 


Essa narrativa vem se mostrando eficiente em controlar os ânimos. O dólar deixou de responder às instabilidades fiscais, mas segue alto  por causa do cenário externo. Haddad, assim, mostra-se mais uma vez a melhor figura do governo para intermediar as relações entre o mercado e Lula. 


Ainda visando manter certa estabilidade institucional, o Planalto já vem se antecipando para nomear um sucessor para Campos Neto, que tem seu mandato no Banco Central encerrado em 2024. Tanto o BCB quanto o governo entendem que um sucessor deve ser indicado o mais cedo possível para que uma transição pacífica aconteça. 


Se esse processo tivesse ocorrido no início de 2023, muitos agentes econômicos se preocupariam com uma indicação que retiraria a autonomia do Banco Central. Mesmo assim, a preocupação hoje é mais controlada. 


O nome mais cotado para suceder o atual presidente é o de Gabriel Galípolo, atual Diretor de Política Monetária do Banco Central. Com essa indicação, Haddad pretende balancear os interesses do governo com a garantia da credibilidade do BCB junto ao mercado. Galípolo não só foi um nome indicado pelo governo petista para assumir a diretoria do BCB em 2023, como também vem apresentando um posicionamento realista e técnico em relação à política monetária.


Assim, depois de quase dois anos de um árduo cabo de guerra entre o Banco Central e o Planalto, a indicação de um novo presidente se mostra uma saída para o conflito por meio da conciliação dos interesses do governo com as preocupações do mercado. Ao se antecipar com a indicação do presidente do BC, a Fazenda permite com que se consiga fazer uma transição pacífica, garantindo certa estabilidade e evitando maiores disrupções no câmbio e nos juros futuros.  


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.

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