O petróleo e o minério são nossos?
- Eduardo Moreira Franco
- 16 de out. de 2024
- 6 min de leitura
70 anos após a morte de Getúlio Vargas, ainda se discute o papel da União em empresas como a Vale e a Petrobras. Nas recentes trocas de CEO, ambas ainda mostram amarras com o governo.

Eduardo Moreira Franco
O dia 24 de agosto de 2024 marcou os 70 anos da morte de Getúlio Vargas. Três dias depois dessa efeméride, um novo CEO foi anunciado na Vale, uma das maiores empresas do Brasil. Mesmo com sete décadas de diferença entre um evento e outro, os entraves na gestão das estatais brasileiras continuam dominando o debate público.
Na década de 50, a bandeira do governo era a defesa da soberania brasileira por meio do incentivo ao capital nacional. Na época, isso levou a criação da Vale e da Petrobras, estatais que visavam explorar os recursos naturais no Brasil. Hoje, essas mesmas empresas seguem ligadas ao governo, mas as atuais críticas se voltam para o excesso de interferência estatal nessas companhias.
O atual debate sobre a influência do governo sobre as empresas públicas tem origem na década de 90, quando uma série de privatizações foram realizadas, especialmente durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
O governo via a privatização como uma forma de atrair investimentos estrangeiros, aumentar a eficiência das empresas e diminuir a interferência política nos negócios. O objetivo era criar um ambiente de mercado mais competitivo, com menos dependência do Estado e mais abertura para o capital privado.
As privatizações foram sustentadas por uma série de reformas legislativas, sendo o Programa Nacional de Desestatização (PND) a base legal para a venda de várias empresas estatais. Instituído pela Lei nº 8.031, de 1990, e aperfeiçoado pela Lei nº 9.491, de 1997, o PND foi crucial para a transferência de empresas do controle do Estado para o setor privado.
Nesse contexto, a Petrobras foi peça-chave para o governo tucano. Mesmo que a empresa não tenha entrado no PND, FHC incentivou a entrada de capital privado no setor petrolífero de duas principais formas. A primeira delas foi por meio da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478, de 1997), que rompeu com o monopólio estatal no setor, e permitiu a entrada de capital privado.
Além disso, em 2000, ocorreu a abertura de capital da Petrobras, com a venda de ações na Bolsa de Valores de Nova York e de São Paulo. O objetivo do governo era atrair capital estrangeiro, modernizar a governança da empresa e ampliar sua capacidade de investimentos.
Mesmo assim, o governo optou por não abrir mão do controle da empresa, seguindo com a maioria das ações ordinárias da Petrobras. A decisão refletia sua visão estratégica sobre o papel da petrolífera como um ativo essencial para a soberania energética e o desenvolvimento do país, especialmente diante da importância da commodity para o futuro do Brasil.
Nos anos 2000, a empresa tomou um rumo diferente do planejado por FHC, especialmente com a descoberta do pré-sal. O “Tesouro submerso”, como definiu a jornalista Consuelo Dieguez no livro “Bilhões de lágrimas: a economia brasileira e seus atores”, colocava o Brasil como uma possível potência petrolífera em 2006. Era esperado que a Petrobras aumentasse seu protagonismo global como exploradora de petróleo e que os royalties da exploração impulsionassem o desenvolvimento de serviços básicos pelo país todo.
Mesmo assim, a história tomou um caminho diferente. Durante os governos petistas, a Petrobras foi utilizada para controlar os preços dos combustíveis, resultando em grandes perdas para a estatal. A empresa, que deveria ter aproveitado os ganhos com o pré-sal, foi obrigada a vender combustível a preços inferiores aos do mercado internacional, o que gerou um acúmulo de dívidas.
Ao mesmo tempo, a interferência política na gestão da Petrobras se aprofundou com a nomeação de diretores ligados a partidos políticos, facilitando um esquema de corrupção revelado pela Lava Jato. Os problemas financeiros causados pela má gestão e corrupção obrigaram a empresa a rever seus investimentos e a desacelerar os projetos de exploração no pré-sal. A ineficiência gerada pela interferência governamental acabou prejudicando a competitividade da empresa em um momento crucial de seu desenvolvimento.
Além disso, as agências reguladoras e a promulgação de leis que visavam modernizar o setor da década de 90 não foram suficientes para impedir que a estatal se tornasse alvo de corrupção, um problema que Dieguez aponta como sendo enraizado na falta de governança corporativa e na utilização da empresa para fins políticos.
Após os governos petistas, a Petrobras passou por uma profunda reestruturação, especialmente durante o governo de Michel Temer. A empresa adotou uma política de desinvestimentos, vendendo ativos estratégicos, como refinarias e campos de petróleo, para reduzir sua dívida e focar em áreas mais lucrativas.
Houve também uma mudança na política de preços, com maior alinhamento ao mercado internacional, gerando maior previsibilidade e confiança dos investidores. Nesse sentido, Temer trouxe maior autonomia à Petrobras.
Com o retorno de Lula ao poder em 2023, o futuro da companhia voltou ao centro do debate. O presidente inaugurou o governo com a revisão da política de preços, a PPI (Preço de Paridade de Importação). Antes, o preço dos combustíveis era sujeito à negociação do petróleo do mercado internacional. Com a mudança feita pelo governo, os preços internacionais seguem como referência, mas não se ajustam de forma automática, normalizando períodos de muita volatilidade na commodity.
A narrativa do governo era que a medida garantiria maior previsibilidade e estabilidade dos preços do combustível para o consumidor. Mesmo assim, o mercado se perguntou se isso não era uma forma do governo maquiar sua interferência na política energética.
Além disso, em 2024, o CEO da Petrobras foi trocado. Jean Paul Prates, indicado do governo, divergia do Planalto sobre a política de pagamento de dividendos da empresa, mostrando-se favorável a um pagamento maior de dividendos, que favorecia os acionistas da empresa. O Planalto, por sua vez, acreditava que esse dinheiro deveria ser direcionado a um aumento dos investimentos na companhia.
Isso se somou a resultados ruins da estatal, o que abriu uma brecha para o governo anunciar uma nova presidente, Magda Chambriard. As interferências cada vez mais gritantes na Petrobras levam os agentes políticos e econômicos a questionar se a empresa não está voltando a ser capital político do governo, como ocorreu nos primeiros mandatos petistas.
Na Vale, por outro lado, o governo tem sua influência reduzida. A União não tem participação direta, como acontece na Petrobras. As manobras políticas são feitas por meio da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. A empresa comprou suas ações por meio da privatização da Vale em um leilão em 1997, quando a companhia fez parte do PND.
Desde então, a empresa é majoritariamente gerida pelo mercado e não sofre interferências diretas, como acontece com a Petrobras. No governo Bolsonaro, a influência estatal na companhia foi ainda mais reduzida. Anteriormente, o BNDES e outros fundos de pensão tinham 26,5% das ações da Vale. Hoje, só restou a Previ, com menos de 10% de participação.
No início do terceiro mandato de Lula, o governo tentou colocar Guido Mantega, conhecido aliado do Presidente da República, para comandar a empresa. Lula, sem muito espaço para manobras políticas, foi frustrado na sua tentativa, e o mercado pressionou o Planalto para evitar futuras interferências.
Para solucionar as diferenças, o escolhido para a presidência da Vale veio de dentro de casa: Gustavo Pimenta, atual CFO, foi o nome indicado pelo conselho. Nunca saberemos se essa decisão teve influência do governo. Mesmo assim, a nomeação parece ter agradado a todos e indica que algum balanço de interesses foi atingido, muito provavelmente com aval do Planalto.
Assim, se olharmos para a situação com os olhos getulistas da década 50, questionaríamos se ambas as empresas cumprem suas funções fundadoras de servir o povo brasiliero e valorizar o capital nacional - e ninguém sairia ileso. Por um lado, o governo não se mostra comprometido em servir o país, já que utiliza essas empresas para manobras políticas, nem sempre priorizando o desenvolvimento do Brasil; por outro, cada vez mais perdemos a soberania dos nossos recursos e o controle, como nação, da nossa segurança de fornecimento de matéria prima.
Mesmo assim, não é possível modernizar o país sem se desprender das amarras do passado. Não conseguiremos fazê-lo se desenvolver sem integrar o capital público com privado e o estrangeiro. Vivemos em um mundo globalizado e integrado, e não podemos perder as oportunidades de crescimento que ele nos proporciona. Contudo, não devemos nos esquecer do legado deixado por Getúlio: com ou sem capital estrangeiro, sempre devemos priorizar o desenvolvimento do capital nacional.
As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.
Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.
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