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São Paulo em chamas!

  • Matheus Marcelo Viola Costa
  • 25 de set. de 2024
  • 6 min de leitura

Incêndios florestais assolam o interior do estado e causam enormes prejuízos socioambientais.


Mapa do Brasil com um pedaço arrancado, equivalente ao território do estado de São Paulo.
Ilustração: Vinicius Demarzo

Matheus Marcelo Viola Costa


Desde 19 de agosto, cidades do interior de São Paulo sofrem com fortes queimadas. Até o dia 15 de setembro, eram 11 municípios com focos ativos de incêndio e, no dia 5 do mesmo mês, registravam-se 45 cidades em estado de emergência por conta das queimadas e seus efeitos, concentradas principalmente nas regiões de Bauru, Campinas, Marília, Região Metropolitana, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Vale do Paraíba.


Os incêndios alcançaram um patamar histórico e geraram prejuízos ambientais e  socioeconômicos. Em agosto, a defesa civil registrou 2.300 focos de incêndio em três dias. O volume das queimadas é explicado pelas condições climáticas e pela atuação humana.


As condições climáticas


Nas últimas semanas, o interior de São Paulo vem passando por uma grave estiagem, baixa umidade do ar e altas temperaturas, fazendo com que a vegetação paulista fique muito seca.  Em São José do Rio Preto, por exemplo, foi estimada uma temperatura máxima de 37 °C entre os dias 2 e 6 do mês de setembro. Isso permitiu que incêndios surgissem e se intensificassem com mais facilidade, seja por combustão espontânea ou ação criminosa.


Fumaça e fuligem advinda das queimadas na Amazônia chegaram ao sul e sudeste do Brasil através dos “rios voadores”. A região, assim como várias outras ao redor do país, sofre com uma grande seca, em boa parte causada pelo fenômeno climático El Niño em 2023 e 2024. Os efeitos colaterais do fogo no norte intensificaram os incêndios paulistas.


Os ventos fortes também agravam as consequências dos incêndios. Além de afetarem a vegetação e a economia dos locais próximos às chamas, nuvens de fumaça chegaram a outras cidades do estado, o que enturvou o céu de SP.


             As grandes alterações climáticas a nível regional e global já afetaram fortemente a população brasileira em 2024, não só em São Paulo. Essas mudanças, no entanto, não podem ser atribuídas apenas a eventos naturais.


A ação humana


O desastre no interior paulista deriva também de uma onda de incêndios criminosos no estado. Até o dia 6/9, 15 pessoas foram presas suspeitas de causar incêndios florestais em municípios do estado, segundo a Secretaria de Segurança Pública.


As motivações para os crimes ainda não estão claras. Acidentes com bitucas de cigarro, queima de lixo e cumprimento de ordens de facções criminosas foram apontados por alguns dos detidos como as origens das queimadas, porém muitos casos ainda não foram devidamente explicados.


Com um grande volume de queimadas ter se iniciado em um espaço temporal curto - foram registrados 3.500 focos de incêndio entre os dias 19 e 24 de agosto - cresceram as suspeitas de que o desastre foi orquestrado de maneira ampla por grupos criminosos. A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, chegou a comparar a situação com o “Dia do Fogo”, no qual fazendeiros se organizaram para atear fogo conjuntamente em áreas da Amazônia em 2019. Porém, as investigações não conseguiram identificar qualquer ligação entre os atentados, segundo a secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.


Mas é difícil não relacionar o desastre em SP com debates ambientalistas. Mesmo com o espaço que o assunto vem ganhando na esfera pública, práticas ilícitas e prejudiciais ao meio ambiente como a queima da palha de cana-de-açúcar, incineração lixo de maneira irregular e desmatamento de florestas com uso de fogo para a expansão de atividades como garimpo, grilagem e pecuária clandestina são ainda muito frequentes no meio rural brasileiro.


Os desastres que assolam o estado de São Paulo e outras regiões do Brasil tem relação com o aquecimento global. O aumento da temperatura da Terra, como diz o geógrafo e jornalista  Jeferson Choma, intensifica os fenômenos climáticos extremos.

 

Um exemplo, diz Choma, é próprio El Niño, que mesmo sendo um evento natural, teve seus efeitos agravados nas últimas décadas, chegando a altíssimos patamares em 2023-24, o que gerou secas consideravelmente mais fortes na Amazônia e chuvas de intensidade assustadora no Rio Grande do Sul na primeira metade do ano.


Apesar de o efeito estufa ser um fenômeno natural, seus efeitos acentuam-se com o aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono, gerado por atividades econômicas. 


Diferentemente dos outros países do mundo, nos quais os principais responsáveis por essas emissões são o setor industrial e de transportes, o desmatamento e a agropecuária são os maiores emissores de GEEs no Brasil. 


O modelo de agricultura e pecuária predominante no Brasil, segundo Choma, leva a uma expansão que avança sobre as florestas brasileiras, como pode-se ver nas fronteiras agrícolas na Amazônia, nas quais queimadas são frequentes e causam graves danos ao meio ambiente.


Além disso, as autoridades públicas, em todas as camadas da federação, muitas vezes não tratam o tema com a devida prioridade (ou até mesmo são coniventes com tais práticas), mesmo com o considerável destaque que a Constituição Federal dá às questões ambientais, até mesmo incluindo a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica nacional em seu artigo 170, VI.


 O orçamento federal voltado à prevenção de desastres do ano passado ajuda a ilustrar o descaso: ele foi o menor em 14 anos. Ao mesmo tempo, o governo federal destinou R$ 360 bilhões em 2023 ao Plano Safra em 2023, e este ano, foram anunciados R$ 400 bilhões ao setor, grande parte destinada a grandes e médios produtores agrícolas.


Os danos causados pelas queimadas


Os prejuízos causados pelo fogo são diversos. A mais patente das consequências é a destruição ambiental. Estações ecológicas, parques, florestas estaduais e outras áreas de preservação foram gravemente atingidos pelas chamas, gerando perdas na fauna, na flora e no patrimônio público.


Alguns dos locais afetados são o Horto Florestal de Limeira e 1,5 mil hectares de áreas de preservação em Morro Agudo. Além disso, locais como o Parque Estadual do Juquery, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e a Estação Ecológica dos Caetetus, localizada entre os municípios de Gália e Alvinlândia, na região de Marília, foram fechados buscando prevenir incêndios e proteger eventuais visitantes.


As chamas são também uma grave questão de saúde pública. A fumaça das queimadas são densas e tóxicas para o ser humano e para outros seres vivos, podendo acarretar problemas respiratórios e cardiovasculares e aumentar as taxas de mortalidades, principalmente em grupos mais sensíveis como crianças e idosos.  


Até mesmo a capital do estado foi afetada, tendo amanhecido nos dias 9, 10 e 11 deste mês como a metrópole com a pior qualidade de ar no mundo, segundo a agência IQAir. A Secretaria da Saúde de São Paulo declarou que foram registrados 1.523 casos de síndrome respiratória aguda grave e 76 mortes de agosto até a primeira semana de setembro.


As queimadas trouxeram problemas para os campos da pesquisa e do ensino. Instituições como escolas e centros de pesquisa tiveram suas atividades prejudicadas pelas chamas. A Fatec Shunji Nishimura, localizada em Pompeia (região de Marília), teve suas aulas suspensas por conta de um incêndio próximo ao edifício do centro de ensino no dia 4 de setembro e outras unidades de educação podem também ter seu funcionamento interrompido. 


Em Ribeirão Preto, as chamas chegaram a invadir o terreno de uma escola infantil no norte da cidade. Também no município ribeirão-pretano, o Instituto de Zootecnia do Estado e 70% da área destinada à pesquisa em plantio de cana-de-açúcar foram consumidos pelo fogo.

Na produção agrícola, estima-se que o agronegócio e a pecuária tiveram um prejuízo de aproximadamente R$ 1 bilhão até o dia 1º de setembro.


Segundo dados do último dia 9, cerca de 8.049 propriedades rurais foram afetadas. Na região de Ribeirão Preto, o fogo destruiu apiários, prejudicando fortemente a produção de mel e a polinização de plantas em Altinópolis e consumiu aproximadamente 3 mil hectares de lavouras em Morro Agudo.


No setor do transporte, os sistemas rodoviários e de aviação foram os mais prejudicados. O fogo causou engarrafamentos e interdições de rodovias paulistas, afetando a circulação de pessoas e bens, o que atingiu fortemente a economia interiorana. Empresas aéreas como Azul, Latam e Voepass tiveram de cancelar voos devido às condições climáticas adversas, prejudicando o comércio, o turismo e a própria atividade dessas empresas.


Em síntese, é evidente a gravidade do fenômeno que ocorre no interior de São Paulo. As pautas ambientais, ainda mais no atual estado de coisas, devem ser tratadas como prioritárias, visto que as consequências de seu desprezo atingem setores dos mais variados, do bem-estar público ao tráfego aéreo. 


Com os incêndios que atormentam diferentes regiões do país e a catástrofe no Rio Grande do Sul, fica patente a necessidade de uma radical mudança na relação da sociedade brasileira com o meio ambiente, pois o tempo em que o brasileiro comemorava o fato de em seu país não haver desastres naturais ficou no passado.


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.



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