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Um Walt Disney no reino de Tão, Tão Distante

  • Beatriz Brichucka
  • 10 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

Falência – a tale as old as time.


Senhor de óculos gritando, com os dizeres abaixo "Vasconcelândia".
Ilustração: Vinicius Demarzo

Beatriz Brichucka


José Vasconcellos é conhecido por ter sido a principal estrela do humor nacional na década de 60. Foi o primeiro one man show do Brasil e o responsável pela introdução do stand-up no país. Mais do que isso, Vasconcellos também planejou importar os parques temáticos – uma fórmula triunfal do entretenimento nos Estados Unidos, que, no entanto, custou a prosperar em solo tupiniquim.

Pôster da Vasconcelândia.
Imagem: Acervo Estadão.

A Vasconcelândia foi apresentada ao público como o maior centro de diversões e turismo do mundo. Idealmente, seria a Disneylândia brasileira em Guarulhos, em um terreno de milhões de metros quadrados, com atrações que iam de cápsulas espaciais e naves extraterrestres a rinques de patinação e museu de cera. Os anúncios publicitários mencionam ainda roteiros “da pré-história ao ano 3.000” e “restaurantes de todos os países”.


Capitalizado com seu sucesso Brasil afora, Vasconcellos alavancou o início das obras e a terraplanagem da área em Guarulhos. O humorista aproveitou o boom da Bolsa de Valores de São Paulo para vender ações da Vasconcelândia Empreendimento Turísticos S/A. “Alegria a toda hora, o ano inteiro, para sempre? E dá muito lucro” e “cada ação da Vasconcelândia é uma máquina registradora trabalhando dia e noite para você” eram apenas alguns dos slogans utilizados para atrair investidores e vender cédulas associativas. 

Projeto da Vasconcelândia.
Imagem: Acervo Revista Manchete.

Em 1968, a Força Aérea Brasileira chegou a doar para o parque o primeiro avião de caça do Brasil, o Gloster Meteor, de fabricação inglesa. Hoje, não se sabe onde esse avião foi parar.


Entre 1973 e 1974, a crise fez com que houvesse uma derrocada na venda de ações, de tal forma que o apoio de investidores se tornou escasso. Vasconcellos tentou de todas as maneiras erguer seu parque sem recursos oficiais, mas, infelizmente, a Vasconcelândia era um grande sorvedouro de dinheiro. 


A partir daí, o sonho da Disneylândia em Guarulhos passou a ser um clube médio com piscinas, chalés e pedalinhos. Jô Soares conta, em seu livro: “Zé praticamente faliu com o empreendimento. Um dia, levou o [Otello] Zeloni para visitar as obras; na volta o italiano me disse: — Gordo, só tem uma roda-gigante e uma bica d’água.”


Enquanto Vasconcellos via a decadência de seu sonho, do lado oposto, outro humorista começava a colocá-lo em prática. Beto Carrero incorporou a ânsia por trazer ao Brasil os parques temáticos: comprou um terreno em uma cidade catarinense e iniciou, com alguns brinquedos infantis e duas lonas de circo, o que se tornaria o maior parque de diversões da América Latina. 


Na virada do século, a área da Vasconcelândia foi levada a leilão para saldar dívidas com a União e arrematada por uma indústria alimentícia. No entanto, a obra acabou embargada e o resto do parque, deteriorado. Da Vasconcelândia, sobraram apenas ruínas perdidas no meio da zona rural de Guarulhos, sobre as quais foram lançadas as cinzas de José Vasconcellos em 2011.


A região da Vasconcelândia tem 33 nascentes, e seus rios são de tal forma cristalinos a ponto de causar descrença sobre o fato de estarem situados na segunda cidade mais populosa do Estado. É o que diz, inclusive, o folder de divulgação da Vasconcelândia: “uma iniciativa (…) numa região de natureza privilegiada, com montanhas, lagos, riachos, nascentes e matas.” Hoje, ao lado do que um dia foi o sonho de uma Disneylândia guarulhense, opera uma fábrica da Ambev (“Águas da Serra”), que se vale da riqueza natural dos arredores.


Historicamente, a região já foi palco de outros empreendimentos tão ambiciosos quanto o de Vasconcellos. A cidade de Guarulhos teve, inclusive, uma corrida pelo ouro, que antecedeu em pelo menos um século o ciclo mineiro e teve como um de seus pólos principais a área projetada para a Vasconcelândia. Apesar disso, a região não transmitiu à Disneylândia brasileira o legado de sua fortuna.


As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a) e não representam, necessariamente, a posição da Gazeta Arcadas sobre o tema. Somos um veículo plural, composto por pessoas com diferentes perspectivas políticas, e prezamos pelo respeito à diversidade e à democracia.


Texto revisado e editado por Ricardo Bianco.


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